Embora presente em muitos roteiros cinematográficos, a amnésia pode ser causada por muitos outros fatores além de pancadas na cabeça. Além disso, pode se manifestar de duas maneiras diferentes: a anterógrada, que impede a pessoa de reter novas informações, e a retrógrada, que bloqueia lembranças de fatos já ocorridos. “Existem diversos tipos de amnésia, que podem ter diversas causas, desde traumas a fatores psicológicos e também o alcoolismo”, afirma o neurologista Rodrigo Schultz.
Amnésia traumática
Em geral, quando se fala em amnésia, a ideia que a maioria das pessoas tem é de alguém que perdeu a memória em decorrência de uma pancada na cabeça. Isso não está errado, pois é possível que um trauma afete severamente o funcionamento do cérebro. “A memória funciona com neurotransmissores que passam as informações entre as células. Pode acontecer que uma lesão causada por uma pancada interrompa esse fluxo momentaneamente. Em geral, é possível recuperar a memória, mas o acontecimento em si, o evento que levou ao trauma, fica esquecido. Sempre haverá a possibilidade de que a pessoa volte a se lembrar do que aconteceu até momentos antes, mas não do evento propriamente, quando o fluxo foi interrompido. Isso pode se perder para sempre”, afirma o neurologista.
A maioria dos estudos sobre esse tipo de amnésia aponta uma relação direta entre a intensidade do trauma com o grau de esquecimento, bem como o tempo que se leva para recuperar a memória.
Inimigo público
Mais comum e, paradoxalmente, pouco comentada é a amnésia causada pelo uso crônico de álcool, a síndrome de Korsakoff, que quando se manifesta, costuma ser irreversível. Quem sofre com o problema não só perde a capacidade de reter novas informações como também de realizar operações simples, embora possa se lembrar de fatos e completar tarefas complexas que tenha aprendido antes. Ou seja, perde-se a capacidade de assimilar coisas novas.
Além disso, é uma doença progressiva com sérias consequências neurológicas, que vão muito além do esquecimento. Tudo resultado do abuso da bebida. “O alcoolismo é um problema muito grave na nossa sociedade e que, infelizmente, tem sido negligenciado. Fala-se muito das consequências do tabagismo, que são ruins também, mas se dá pouca atenção ao álcool, que pode ser até mais prejudicial. O fumante prejudica a própria saúde, mas o alcoolismo envolve também questões familiares e sociais. Não é nada fácil lidar com uma pessoa que sofra de amnésia em consequência do uso de álcool”, alerta o neurologista.
“Brancos” inofensivos
A falta de memória só pode ser considerada um problema grave a partir do momento que passa a interferir negativamente no cotidiano. Assim, os chamados “brancos” não podem ser considerados uma amnésia. “O fato de a pessoa ser esquecida não significa que tenha amnésia. Você esquecer a chave do carro, de comprar algo no supermercado ou o nome de uma pessoa, por exemplo, são lapsos de memória normais, que qualquer pessoa pode ter. São falhas normais da sinapse e não se trata de amnésia, que é algo mais grave, um problema de maior profundidade”, diferencia o neurologista.
Amnésia global
Esse tipo de amnésia pode ser definitiva, em geral, quando há um quadro grave de demência, um trauma muito grande ou intoxicação severa. Mas pode também ser transitória, quando a memória é perdida por um período apenas, que pode durar de uma hora ou menos até um dia todo. No entanto, nesses casos recupera-se totalmente as lembranças, ficando apenas o “branco” do período da amnésia. Em geral, são episódios isolados que não se repetem e a ciência ainda não tem explicação definitiva sobre as causas. É muito importante estar atento a esses pequenos sintomas, principalmente se estão interferindo no dia a dia, dificultando o trabalho ou a convivência com familiares.
Nunca é cedo demais
No caso de doenças degenerativas, quanto antes for feito o diagnóstico, melhor. Não se deve esperar o problema se tornar crônico para fazer uma consulta com um neurologista. “Esses lapsos podem ser o início de alguma demência e o tratamento depende de cada caso. Por isso, hoje, se fala muito em diagnóstico precoce. Quanto antes ele for feito, melhor será a resposta ao tratamento”, indica o neurologista.
O tratamento para quase todas as falhas de memória é feito sem medicação. “O mais importante é identificar as causas do problema. Como na maioria dos casos há um componente externo, como tabagismo, alcoolismo, estresse, etc., é possível melhorar a memória sem medicações”, informa Schultz. “Quanto antes for feito o diagnóstico, melhor será a resposta ao tratamento. Basicamente, apenas melhorando a qualidade de vida é possível retomar o bom funcionamento da memória”, reforça o neurologista Rodrigo Schultz
Texto: David Cintra
Consultoria: Rodrigo Schultz, neurologista e membro da Academia Brasileira de Neurologia
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