Os textos do Apocalipse hoje são vistos de maneira contraditória. De um lado, uma embasada crítica literária se debruça sobre a riqueza de seu linguajar e seu simbolismo particular. Acadêmicos e teólogos analisam com sobriedade a sua influência em diferentes aspectos da cultura ocidental, até mesmo na política. Ao mesmo tempo, a grande massa de leitores em geral, sejam meros curiosos ou seguidores de um cristianismo fundamentalista, garantem ao livro uma dimensão que ele nunca teve antes.
Polêmico por natureza
Muita dessa atração é justificada por seu caráter enigmático – e por uma curiosidade meio mórbida da humanidade quando o assunto é a sua própria extinção. Acontece que a linguagem peculiar empregada por João de Patmos pode ser encarada também como uma solução para os primeiros cristãos salvarem o próprio pescoço: “Todo o livro do Apocalipse é escrito em alegorias. Essas cartas eram enviadas às comunidades.
Se o mensageiro fosse pego pelo exército romano com essas cartas, eles não iriam entender absolutamente nada, pois eram alegorias que somente eram entendidas pelos cristãos”, esclarece o teólogo e historiador Roberto Francisco Daniel, que usa de uma canção brasileira como comparação: “É como a música A Banda, do Chico Buarque, escrita durante o regime militar no Brasil. A canção era uma forma alegórica de chamar o povo para as manifestações, para a rua, ‘para ver a banda passar’. Foi uma forma de driblar a censura militar, do mesmo jeito que João queria enganar a censura romana. Não é uma mensagem para o futuro nosso, mas para aquelas comunidades”.
Mil metáforas
A besta de sete cabeças, por exemplo, pode ser vista como uma metáfora para os próprios perseguidores, já que a cidade de Roma estava localizada entre sete colinas. Uma opinião que merece destaque é a do filósofo Johann Gottfried von Herder, que publicou, em 1779, uma importante análise dos versos apocalípticos chamada Maranatha: “Em um livro que durante milhares de anos instiga o coração, desperta a alma e não deixa nem amigo nem inimigo indiferente, e dificilmente tem um amigo ou inimigo comedido, em tal livro deve haver algo de substancial, digam o que disserem”. Como se vê, a controvérsia é a alma do negócio.
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Consultoria: Roberto Francisco Daniel, historiador e teólogo
Texto: Marcelo Ricciardi / colaborador – Edição: Natália Negretti